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Desafio de Escrita

Tema 2 - Introvertida

01
Jun21

Adelaide saiu de manhã cedo. Eram poucas as ocasiões que a faziam arranjar-se com o cuidado que fizera naquela manhã. Era a mais nova de 10 irmãos e a única que não emigrou. Gostava de rever toda a família mas não deixava de se sentir um tanto envergonhada pela sua modéstia em contraste com a pompa que os seus irmãos exibiam. Prometeu ir ajudar a irmã a preparar o almoço de família daquele domingo. Tinham, finalmente, a casa perfeita para acolher a numerosa prole que continuava a crescer a olhos vistos. O almoço anual tornou-se um ritual logo após a morte da matriarca há cinco anos. Olinda marcou várias gerações através do seu trabalho como costureira e o seu trabalho tornou-se famoso na região logo após o seu retorno de Paris antes da guerra estourar. A sua progénie prometeu celebrar a vida de sua mãe logo no dia do seu enterro e, apesar de dispersos pelos quatro cantos do mundo, tinham, anualmente, dia e hora marcada para se reencontrarem, recordarem e criarem novas memórias.

Alice voltara às origens há um ano. Ao final de quase quarenta anos nos Estados Unidos voltou à terra que a viu crescer depois de terminada a construção da sua mansão. Acostumara-se a viver o sonho americano e mesmo não tendo necessidade de tanto espaço para si e para o marido, avançaram com o projeto. Assente numa pequena colina, o largo portão da entrada em ferro trabalhado dava acesso à porta principal da casa através de um caminho estreito em pedra calcária. A casa de três andares e traça moderna destoava das construções em redor, típicas daquela zona do país. Chamava a atenção pelos relvados e estatuetas da fronte mas apenas os mais próximos de Alice sabiam do seu orgulho nas roseiras que tinha no jardim das traseiras da casa. Adelaide adorava cozinhar mas a cozinha era a parte de que menos gostava na casa da irmã. Demasiado grande, revestida pelo que lhe pareciam milhares de portas que escondiam todos os equipamentos de um cozinha comum. Queria muito ajudar mas sentia-se perdida e frustrada por não saber ali navegar à vontade.

Parte da família já estava instalada e enquanto os miúdos brincavam no jardim e se preparava o churrasco, o resto da família ia chegando em intervalos cada vez menores. As duas irmãs preparavam o banquete e a elas se iam juntando mais membros, a conversa ficava mais ruidosa e animada.

- A mesa já está posta! - anuncia Daniela, uma neta - Posso começar a levar a comida?

- Podem começar a levar tudo, já está tudo feito, só falta uma perna de perú que ainda está no forno mas já vou desligar - responde Alice, de sorriso nos lábios, satisfeita com o trabalho daquela manhã e de coração cheio com a animação e amor que sentia com todo aquele rebuliço.

- Falta ainda fazer a comida do António! - exclamou Adelaide, meio em pânico porque estava à espera que o fogão fosse liberado para cozinhar a dieta do marido - Ele só pode comer cozidos...

- Oh Lai, já podias ter dito, não tinhas de esperar - respondeu Alice por entre gargalhadas. - Está ali outro fogão, podias ter usado.

- Sabia lá que havia dois fogões... Por que raio havia uma casa de ter dois fogões? - ripostou Adelaide.

 

Introvertida escreve aqui.