O cadáver
Se havia coisa de que a Doutora Lara se orgulhava era do seu trabalho. Vivia para compreender a morte e ajudar aqueles que não se podiam defender.
Aproximou-se do corpo que repousava na mesa de metal. Levantou respeitosamente a cobertura e dobrou-a para baixo até à zona da cintura.
Observou o corpo que tinha diante de si. Tratava-se de um jovem que não teria mais de 25 anos. Sentiu-se invadida por uma tristeza profunda. Não havia autópsias mais fáceis do que outras, mas era tão errado ter naquela mesa um jovem com a vida toda pela frente.
Através de uma rápida análise ao corpo, percebeu que não havia feridas visíveis. O jovem era muito bem-parecido e o corpo musculado indicava uma prática regular de exercício físico.
Segurou o bisturi na mão direita e, com segurança, aproximou a ponta afiada do peito do jovem.
― O que está a fazer?
A voz esganiçada assustou-a. Parou de imediato e voltou-se para trás. O seu assistente teria certamente chegado da pausa matinal.
Contudo, não havia ninguém na sala. Afastou-se da mesa de autópsia e deu uns passos em frente, apenas para constatar que ninguém entrara ali.
Sentiu um arrepio mesmo antes de se virar.
Nunca, em toda a sua vida profissional, assistira a um momento daqueles.
Atrás de si, o cadáver levantava-se da mesa, levando a mão direita ao cabelo para o compor, como se o facto de ter estado deitado tivesse arruinado a disposição dos seus cabelos castanhos.
― Oh meu Deus! ― A voz de Lara quase não se ouvia. ― Você está vivo!
― Vivo e de boa saúde.
Lara olhava-o estupefacta. Ele caminhava em direção a si. Ainda por cima todo nu!
― O que é que se passa?
― Isso pergunto eu. Você ia espetar-me um bisturi!
Ela quase gritou.
― Era suposto você estar morto!
Ele aproximava-se cada vez mais, parecendo procurar algo.
― O Rogério não tinha mencionado bisturis ― disse, enquanto agarrava um par de calças.
Como raio é que aquela roupa apareceu ali?, perguntou-se Lara.
― Desculpe? O que é que o Doutor Rogério tem a ver com isto?
Sentia agora a indignação a apoderar-se de si. Não podia ser coisa boa se vinha da parte do seu novo namorado, um cardiologista com pouca preocupação pela saúde das pessoas, uma vez que estava sempre a tentar provocar ataques cardíacos a toda a gente. Aquele médico não era de fiar.
― Ele queria fazer-lhe uma surpresa ― respondeu o jovem, já completamente vestido. Tirou um envelope do bolso e entregou-lho. ― Pediu que lhe entregasse esta mensagem.
Virou costas e foi-se embora, como se os últimos vinte minutos nunca tivessem acontecido.
Irritada, Lara abriu o envelope e leu a mensagem.
Olá querida! Feliz aniversário! Jantas comigo logo à noite?
Tema da semana: É que isto de médicos, nunca fiando
Daniela Maciel escreve aqui
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