Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Desafio de Escrita

Tema #2.2 Bla Bla Bla

12
Fev20

- Ai mulher, não sei como é que tu consegues fazer tanta coisa ao mesmo tempo! Estou cansada só de olhar.

- Ninguém as faz por mim… e ainda tenho muita coisa para fazer hoje e não tenho tempo, não posso parar. Vai falando que seu não estou a olhar mas estou a ouvir.

- Não, não quero nada. Vim só ver como é que estavas, se precisavas de alguma coisa e saber…do Paulo. (Baixa o tom de voz) Como é que ele tem estado? Está melhor?

Laura para de descascar as batatas, respira fundo e vai sentar-se ao pé da amiga já sem conseguir conter as lágrimas que lhe afloravam nos olhos.

- ‘Tá nada. Está cada vez pior Mais de 10 comprimidos por dia e não há meio de o homem melhorar…Eu tento ter esperança, ser forte mas acho que ele não vai aguentar… - desata em pranto.

A amiga acorre a abraçá-la para a confortar.

- Oh miga tem calma. Vais ver que ele melhora! Isso é só o cansaço a falar. És a mulher mais forte que conheço e contigo a seu lado vais ver que ele melhora. Tens de ter paciência e esperança.

- Sim… mas é difícil sabes… ando muito cansada. O trabalho, as idas constantes aos médicos, exames, hospitais, as noites sem dormir à cabeceira dele para cuidar que ele passe bem a noite, é o tratar de casa, fazer-lhe as sopinhas que ele também não aguenta mais nada… Ai tenho que ir acabar a sopa que se está a fazer tarde.

- Eu também tenho de ir querida, só quis passar aqui rapidinho para te dar um beijinho. Se precisares de alguma já sabes.

- Obrigada amiga por vires. Mas vai ligando tu que eu com tanta coisa na cabeça esqueço-me de tudo, nunca me lembro de nada.

- Ligo sim. Vá beijinho e as melhoras para o Paulo.

Respirou fundo. Sentia-se reconfortada. A sua vida não era fácil mas agora havia sempre alguém por perto para a confortar.

Acabou de cozinhar os legumes e passou-os todos. O Paulo só conseguia comer a sopa completamente passada já que o simples ato de mastigar era suficiente para despoletar mais um arranque violento de vómitos.

Pegou num banquinho e subiu-lhe para cima. Era baixinha e só assim conseguia chegar à prateleira mais alta do armário, onde guardava loiça de cerimónia que raramente utilizava.

Afastou e loiça para contemplar os vários frasquinhos de vidro transparente. Estavam ordenados em várias fileiras e continham todos um liquido incolor, sem qualquer rótulo para os identificar.

Apesar de não haver nada que distinguisse os frascos um do outro Laura sabia exatamente o que continham pois decidira organizá-los por ordem alfabética do seu conteúdo.

Agua oxigenada, Álcool, Arsénico, Clorofórmio, Éter, Lixívia, Rícino, Tetrahidrozolina…

Com um sorrido nos lábios escolheu um frasco da última fileira. Era um dos seus preferidos por se tratarem de simples gotas oftalmológicas para os olhos.

Começou a envenenar o marido à alguns anos atrás para o castigar pela sua traição.

Laura nunca o confrontou e ele nunca soube que a mulher o havia visto em posses pouco bíblicas com a colega do trabalho a terem sexo desenfreado no carro.

Nessa altura, com a raiva de mulher despeitada a toldar-lhe o discernimento, não mediu bem o que fazia e o marido quase morreu intoxicado ao 2º dia.

Os remorsos da Laura duraram tanto quanto a braguilha do marido se manteve fechada.

Laura passou a envenenar o marido sempre que tinha conhecimento das suas infidelidades.

Com a prática aperfeiçoou os seus métodos, doses, substâncias... Nunca ninguém desconfiou dela já que era uma esposa extremosa.

Mas os anos passaram e as oportunidades do marido de saltar a cerca começara a diminuir drasticamente até cessarem por completo.

Laura começou a ficar agitada porque gostava da adrenalina mas principalmente porque gostava que toda a gente se condoesse dela e da sua situação, inundando-a de carinho, solidariedade e atenção.

Decidiu então abranger o castigo a qualquer falta que o marido fizesse. Qualquer motivo servia.

O atual castigo estava a ser aplicado por o marido ter feito um comentário levemente depreciativo a respeito do seu peso. E na verdade ele até tinha razão.

Desceu do banco e começou a verter o frasco para a sopa…

- O que estás a fazer Laura?

- Ai Jesus homem! Que me matas de susto! O que é que estás a fazer aqui em baixo? Vai já para cima para a cama antes que piores.

- Vou… o que é aquilo? O que estás a pôr na sopa?

- Aquilo? ... É agua benta homem! O que é que havia de ser?!

- Água benta Laura? Desde quando é que viraste crente?

- E eu lá creio em alguma coisa… mas olha, tentar não custa! Os médicos não sabem nada, nem com os medicamentos melhoras… isso dos médicos, nunca fiando… e assim pode ser que Deus, o Diabo ou qualquer outra coisa te acudam.

Mal não há de fazer!

- Pois… tá bem… mal não há-de fazer não…. Olha queria comer aqui contigo mas já estou a ficar tonto. Vou-me deitar e como um bocadinho da sopa lá em cima, tá bem?!

- Tá! Vai lá mazé antes que priores que eu já ta levo.

Fodasse! Foi por pouco…

 

Tema da semana: É que isto de médicos, nunca fiando

BlaBlaBla escreve aqui

Acompanha todos os posts deste desafio aqui

Segue-nos na nossa página do facebook