Tema #2.1 - Triptofano
Carolina olhou para o galão.
No último ano e meio tinha-se sentado todos os dias no mesmo lugar junto à janela daquele café, sempre com o olhar ausente, à espera que ele aparecesse, mesmo nos dias em que sabia que ele não iria vir.
Estava desempregada há mais anos do que poderia recordar e o seu dia era uma amálgama de recordações, comprimidos para dormir, comprimidos para acordar, comprimidos para esquecer, e a rotineira visita ao café, sempre à mesma hora da tarde, sempre com a cabeça baixa, sempre com o olhar vazio.
Pedia sempre o mesmo, um galão de máquina e um bolo de arroz, que fazia render durante um par de horas, até que ela o pudesse ver através da imaculada fronteira de vidro, que o fazia estar tão perto mas tão longe ao mesmo tempo. Um dia tinha pedido um queque com pepitas de chocolate, um dia em que se tinha sentido corajosa, viva, animada, para rapidamente compreender que as pepitas de chocolate não eram mais que passas ressequidas que cuspiu nauseada para um guardanapo de papel.
Todos os dias comprava uma revista que tentava ler enquanto olhava para o relógio. Sabia as horas em que ele ia aparecer e esse era o momento alto do seu dia. Tudo o resto era comprimidos, galões, bolos de arroz e imagens em revistas. Quando já tinha comprado todas as revistas possíveis e imaginárias voltava a comprar uma repetida e li-a de trás para a frente. Era quase como se fosse uma revista nova.
Há ano e meio que Carolina tinha perdido a guarda do filho. O ex-marido tinha conseguido em tribunal tirar-lhe até as visitas quinzenais ao fim-de-semana, alegando que ela era neurótica, psicótica e instável, e que o filho estaria melhor sem a influência nefasta da mãe.
Tudo o que lhe restava eram aqueles pequenos segundos em que via o filho através do vidro da janela do café, vindo da escola agarrado firmemente pela mão do pai. Carolina aguardava pacientemente o filho todos os dias há ano e meio, mesmo nos dias em que sabia que ele não viria por a escola estar fechada.
Aquele dia não era diferente. Estava quase na hora.
Com a precisão de um relógio pai e filho passaram à frente do café onde Carolina desaparecia cada dia um pouco mais. Nenhum olhou para ela. Há muito tempo que ninguém se dava ao trabalho de verdadeiramente a ver. Tinha-se tornado invisível para o mundo.
Abriu a carteira, depositou cinco euros em cima da mesa e levantou-se em direcção à porta.
Colocou a mão no bolso do casaco e sentiu o frio metálico do revólver que tinha comprado numa qualquer página da Internet.
Saiu para a rua procurando com o olhar pai e filho. Sabia que aquilo não iria correr bem. Mas no fim de contas, que mais tinha ela a perder?
Tema da semana: Acho que a coisa não vai correr bem
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