Tema #2.1 José da Xã
Sentado no peal de um prédio devoluto e que clandestinamente o albergava, Elizário mantinha a caixa de papelão no chão com uma simples moeda, sempre à espera que alguém se condoesse e deixasse uma redondinha, como ele gostava de lhe chamar.
Passara mais de meio século desde que partira da sua terra num velho navio de carga para vir cumprir o Serviço Militar Obrigatório para o Continente.
Saíra da Fajã de Santo Elói dois dias antes, pois a subida até ao cimo das Lagoas era obra dura e requeria persistência. Um naco de broa, um de inhame frito e uma botelha de vinho era tudo quanto carregava consigo quando trepou pela encosta íngreme por carreiros estreitos e perigosos enquanto olhava atrás de si o mar azul e infindável.
Certo dia perguntara ao Padre Josué o que havia depois do mar. O Padre teve dificuldade em responder a alguém que nunca soubera ler nem escrever quanto mais saber outras ciências.
Elizário não percebera a resposta, mas ali de cima via cada vez mais mar dando razão à sua ideia de que para lá do horizonte não existiria mais nada... senão mar.
Chegou à vila no dia seguinte e procurou no pequeno porto o navio que o levou. Embarcou para o fundo de um convés mal cheiroso e onde encontrou outros ilhéus.
- Viva boa tarde…
Acordado das suas tristes e longínquas memórias o açoriano não respondeu até que insistiram:
- Olá boa tarde... como se chama?
- Está falando comigo, senhor? - nunca perdera a forma delicada de falar da sua ilha.
- Estou sim. Como se chama?
À terceira lá veio o nome:
- Elizário, senhor!
- Não tem família?
- Nã' senhor!
Assentara praça num qualquer quartel e depressa partira para África ainda a tempo de apanhar o auge da guerra. Não a temeu. Pelo menos ali, tinha que comer, vestir, calçar e uma cama para dormir, em vez da enxerga pobre e peçonhenta que partilhava com um rancho de irmãos. E depois a morte sempre fora algo com a qual convivera toda a vida. Havia sido quatro irmãos, um tio, uma avó ou simplesmente muitos dos seus famintos companheiros que por entre inhames e milho corriam atrás de algum coelho descuidado.
Mas o seu maior receio fora mesmo o regresso à metrópole. Desse tempo padrasto guardou para sempre um pensamento: acho que esta coisa não vai correr bem!
Tema da semana: Acho que a coisa não vai correr bem
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