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Desafio de Escrita

Tema 1 - Cátia Madeira

09
Mai21

- Artur Etelvino da Fonseca Matos, desce já dessa estante antes que eu te espete com uma lamparina nas ventas. – gritou Cinderela da cozinha enquanto se esforçava por conter a água fervente que vertia uma espécie de gosma, como se um vulcão em tons de branco sujo se esforçasse por escagaçar o fogão todo. Cinderela, antes donzela bem-parecida, agora mãe cansada a tempo inteiro, estava a tirar do nariz do filho mais novo um berlinde, tendo-se esquecido completamente de que tinha um tacho ao lume.

Artur desceu da estante sem partir nada, mantendo inclusivamente os ossos e dentes intactos, o que, parecendo um exagero da narradora, demonstrou ser uma verdadeira proeza para o petiz que, no espectro da sua fofice, era um exímio profissional do desembestamento.

Cinderela olhou para a casa e ocorreu-lhe apenas a simples frase: um dia passo-me dos cornos.

Brinquedos fora do lugar. O cesto da roupa que aparentava vomitar calças de fato de treino e peúgas com desenhos amarelecidos dos dedos que as tinham calçado. Os miúdos que corriam e batiam contra os móveis. Praticamente selvagens que nem as regras da natureza respeitavam. Cinderela recordava-se de ter visto um documentário sobre hienas onde as crias copiavam os comportamentos da progenitora, respeitando a sua posição. Mas aquelas, as suas, só podiam sair ao pateta do pai.  

Olhou-se ao espelho, a beleza ainda lá estava, mesmo que mais baça, adornada de olheiras fundas e cabelos que não viam escova.

A campainha tocou e apareceu o sapo Jacinto. Tinha ido à cidade para entregar uns documentos nas finanças com vista a pedir uma extensão de prazo no pagamento do IVA, aquele episódio com moscas moleironas afastou muitos clientes do restaurante e as contas andavam pela hora da morte. Quando passou à porta da casa de Cinderela achou que poderia dar um olá à amiga, beber um café e tirar mais alguns nabos da púcara. Afinal de contas, quando um anfíbio se põe à coca numa fila, pode chegar à sua senha com muitas pontas soltas.

- Então Cindy como é que vai isso? Andava pelas redondezas e vim fazer-te uma visita e matar saudades das nossas conversas e dos teus anjos. É sempre um gosto estar convosco. – Jacinto ia falando enquanto entrava e pousava o chapéu no bengaleiro. Falava devagar e olhava à volta, num misto de espanto e susto. A casa estava de pernas para o ar, dois dos miúdos corriam desenfreados pela casa e o terceiro estava ao colo da mãe, que trazia um cigarro por acender no canto do lábio.

- Põe-te à vontade, vou pousar este no parque e fazer um café. MENINOS, VENHAR DAR UM BEIJINHO AO VOSSO TIO JACINTO! – virou costas, tirou o tacho do lume e ligou a máquina de café.

Jacinto esperou que Cinderela se sentasse, acedesse o cigarro e desse a tão necessária passa.

- Sabes com quem estive à conversa esta manhã? Vê bem que encontrei a cunhada da irmã do Válter. Como é que ele anda?

A Cátia escreve aqui.