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Desafio de Escrita

Tema 2 - Lara Almeida

29
Mai21

Uma separação nunca é fácil. Não é uma decisão tomada de ânimo leve. É sempre, no mínimo, um falhanço pessoal.

Uma separação sem consenso é ainda pior.... Onde não há espaço para se ser civilizado, onde não há respeito pelos anos e bons momentos que passaram juntos.

Hoje, após a assinatura do divórcio, tinham seguido para casa para dividirem finalmente todos os bens materiais. Viviam numa casa alugada e tinham de a entregar o quanto antes... Mas, até na divisão, não havia cordialidade, não conseguiam ter consenso... Pareciam dois desconhecidos a lutar. Tudo era motivo de discussão.

Discutiam por tudo. Pelos tapetes, pela mobília de quarto, até pela sapateira. Mas quando chegaram às coisas de cozinha é que foram elas...ela dizia querer os eletrodomésticos, ele também. Até iam começar a discutir pelo fogão, mas afinal havia outro na garagem muito parecido que lhes tinha sido oferecido e nunca usaram... 

Perfeitos desconhecidos a lutar por um fogão. Era tão surreal que parecia um texto inventado!....

Lara Almeida escreve aqui.

Tema 2 - Maria

28
Mai21

A viagem tinha sido longa e com tantas paragens para fotografar e conhecer cada cantinho, acabamos por chegar já bem tarde ao lugar onde íamos passar o fim-de-semana.

Tínhamos acabado de acordar naquela natureza tão boa mas o tempo não estava o mesmo que no dia anterior. De todo. Estava meio farrusco e decidimos que íamos fazer um bolo. Bolo de chocolate - digo eu - para ser um bom pequeno-almoço, sem horários a cumprir e sem regras, excepto ser feliz.

Perdidos enquanto seguíamos a receita do bolo de chocolate, farinha para aqui e para acolá, açúcar na ponta do nariz - aqueles beijos que ainda se tornaram mais doces - digo eu - olha esquecemos de pré-aquecer o forno...

Vamos a ligar e nada. Nem sim nem sopas, o forno tinha morrido, nada de sinal dele. Nem o fogão estava a funcionar. O micro-ondas dava sinal, mas de resto mais nada.

Fazemos um bolo de caneca no micro-ondas? Atirou ele enquanto ria da minha cara.

- Olha agora com a receita pronta não dá!

E entre gargalhadas, acabamos  por comer a massa do bolo que estava uma delícia. Quem não gosta de raspar uma massa de bolo? - pergunto eu enquanto ele me olhava com aquele olhar fofo, sentados no sofá em frente à varanda de vidro que nos deslumbrava com a vista desafogada tão verde e apaixonante na montanha. Estávamos ali a apreciar só o momento. Aquele silêncio como se nos tivéssemos perdido algures onde o gps não chega, mas com todas as certezas de que aquele era o lugar certo para estar.

Antes mesmo de as dores de barriga não serem só de tanto rir ele reparou: Temos ali um bilhete em cima da mesa, já viste?

Pegamos no bilhete e era da Joana, a nossa amiga e dona da casa da montanha, um bilhete de boas vindas, mas como chegamos bem tarde nem tínhamos reparado e em que dizia:

"Amigos, aproveitem a estadia e desculpem qualquer coisa que não esteja do vosso jeito. PS.: A cozinha ainda foi mudada à pouco e tive problemas com a placa e o forno. Caso  precisem na dispensa têm outro fogão... a gás.  Sejam felizes!"

Não acredito... um fogão a gás e que dá para usar a fornalha!! Cadê a massa do bolo?

 

Maria escreve aqui. 

Tema 2 - Cátia Madeira

28
Mai21
A reunião PEE ia ser na casa da Branca de Neve. Ariel foi a primeira a chegar, situação que desagradou a anfitriã, já que a princesa dos mares fazia corta mato pelo Tejo e chegava à Moita encharcada. Os cabelos ainda pingavam bastante e deixavam poças de água por onde passava, coisa que ensandecia a dona da casa, que ainda estava a pagar o empréstimo para obras que usou para comprar aquele chão flutuante de qualidade mediana.

- Ariel, põe-te na alheta para o quintal, serve-te de um conhaque e mete a mona ao sol. A ver se secas essa trunfa farta que até me mete nojo! – Branca de Neve não sabia o que a arreliava mais, se o facto de aquela cabra aquática ter uma vida aparentemente livre de stress e por isso não apresentar qualquer queda de cabelo, se a inocência em vinha de alhos de burrice, que acalentava aquela falta de noção absoluta. Enquanto as outras princesas apareciam com os filhos agarrados as saias, Ariel tinha as irmãs que lhes ficavam com os miúdos. Parou a olhar para Ariel, que estava que cheirava as buganvílias e imaginou-se a acender o carvão e a grelhar-lhe a cauda.

O toque da campainha arrancou-a desse quase sonho. Chegavam Pocahontas e Cinderela, ambas com as crianças agarradas às pernas.

- Meninos, a tia Branca preparou guloseimas e colocou tudo numa mesa no quintal. – a criançada ficou histérica saiu a correr, quais animais selvagens.

- Mãezinhas, conhaque ou Whiskey? – perguntou Branca erguendo as duas garrafas.

- Um de cada. – respondeu Cinderela, sendo que Pocahontas acenou em confirmação de que o seu pedido era igual.

O grupo PEE representava as “Princesas em Estrume”. Mulheres que um dia haviam feito parte do imaginário encantado de muitas gerações e que hoje, depois do pífio “felizes para sempre” viviam enredadas na vida desgastante e comezinha de sempre.

Os príncipes, depois do beijo do verdadeiro amor, queriam ver a bola, evitavam trocar fraldas e achavam que as fases das mulheres duravam muito tempo.

Criaram o grupo depois do divórcio da Bela com o Monstro. Coisa que rolou água já que nas partilhas o tipo não queria rachar 50/50 os bens adquiridos depois do matrimónio.

Ouviu-se algo a apitar.

- Merda, são as bolachas que tenho no forno. Fiz normais para os miúdos e para nós com ervas aromáticas. – piscou o olho. Todas sabiam o que eram aquelas ervas.

Ariel estava a entrar na sala quando sentiu o cheiro e viu Branca passar com uma bandeja de bolachas.

- Meninos, bolachinhas acabadas de fazer.

Ariel esbugalhou olhos.

- Branca, chamon para as crianças!?

Branca nem se deu ao trabalho de responder. Não lhe faltava vontade de os sossegar, mas não era choné para isso. Até porque se um dos miúdos respondesse mal à aromatização, depois como é que se explicava aquilo em contexto judicial?

Foi quando Ariel a viu abrir uma segunda porta de forno que se apercebeu. Muito se cozinhava naquela casa para haver eletrodomésticos em duplicado.

A Cátia escreve aqui.

Tema 2 - Charneca em Flor

27
Mai21

A chave rodou na fechadura com alguma dificuldade o que não me surpreendeu. Afinal, aquela
porta já não devia ser aberta há anos.
Durante muito tempo não fui capaz de entrar na casa da minha avó onde passei os momentos
mais felizes da minha infância. Mas desde dia negro da “zanga", nunca mais vi a minha avó. Os
meus pais levaram-me para longe, cresci e fui-me esquecendo desta pessoa que tanto me
amou. Só que ela nunca se esqueceu de mim deixando a sua casa como herança. O meu
coração foi invadido pela culpa por ter deixado que a minha avó partisse sem sentir,
novamente, o meu abraço e levei anos a decidir voltar aqui.
Depois de algum esforço , lá abri a porta para poder entrar. Logo ali, na entrada, fiquei
envolvida, dos pés à cabeça, em teias de aranha. Encontrei uma janela que estava tão perra
como a porta. Abri-a permitindo que a claridade do dia iluminasse aquele cenário desolador.
Os móveis estavam protegidos com lençóis velhos e plásticos mas, em cima deles, repousava
uma espessa camada de pó.
Continuei a explorar a casa da qual me recordava vagamente. Quando encontrei a cozinha,
lembrei das muitas horas que passava com a minha avó a cozinhar. Só que aquela cozinha é-
me estranha. Não reconheci aquele fogão ou aquela bancada por mais que rebuscasse na
minha memória. Não consegui visualizar a minha avó naquele espaço. Talvez a cozinha tivesse
sido remodelada.
Olhei através do vidro baço da janela e reparei numa outra construção diante da cozinha. Por
coincidência, ou talvez não, ao lado da porta estava uma chave identificada com “cozinha do
quintal”. Será…
Meia dúzia de passos separavam a casa principal daquele anexo. Assim que me aproximei,
senti-me invadida por uma sensação de conforto. Estranhamente entrei, com relativa
facilidade, e comigo entraram também os raios de sol que fizeram brilhar algo que se
encontrava em frente da porta. Foi então que o vi, tão reluzente como se fosse novo, o fogão a
lenha da minha avó. Só nesse instante é que as recordações regressaram em catadupa. Senti a
presença da minha avó visualizando-a enquanto mexia os tachos confeccionando comida
reconfortante que me enchia o estômago e a alma. Caí de joelhos diante do fogão a lenha da
minha avó e chorei pelo tempo irrecuperável que passei longe dela. Pela porta entrou uma
brisa que me abraçou e enxugou as lágrimas. Só podia ser a minha avó. Finalmente reconciliei-
me com o passado e resolvi começar a limpeza pela maravilhoso fogão da minha avó. Só
faltava aprender a cozinhar ali e assim honrar-lhe a memória, entre tachos e tachinhos.

Charneca em Flor escreve aqui. 

 

Tema 2 - Maria Araújo

27
Mai21

Era uma mulher viúva, tinha um filho ainda pequeno quando conheceu o que viria a ser o seu
companheiro durante cerca de treze anos.
Construía, na altura, um casarão, nos arredores da cidade. Dois andares, uma enorme garagem. Um
jardim à volta dele que, além de flores, cultivava legumes.
Ele era empresário, viúvo, tinha os filhos crescidos, deixou a sua casa e foi viver com ela.
E muito investiu naquele casarão.
Mostrava-o aos amigos que iam visitá-la, sobretudo nas festas de aniversário do seu filho.
Um dia , numa festa, a acontecer na garagem, que as filhas dele também foram convidadas, e porque
não conheciam a casa, sem que a anfitriã percebesse, foram espreitar os andares de cima.
Tudo muito "bem" mobilado, aquele estilo dom não sei das quantas, os pés da mesa da sala de jantar
eram rsotos de leão.
O sótão estava carregado de brinquedos, por abrir, que eram oferecidos, no Natal e aniversário, ao filho,
mas que ela não deixava que brincasse com eles.
Passaram pela cozinha.
Acharam estranho que o movimento na garagem fosse grande e esta cozinha estivesse intocável. E o
fogão não tinha sinais de que alguma vez tivesse sido usado.
Desceram sorrateiramente até à garagem.
Uma grande mesa, encostada à parede, cheia de comida para os convidados, perguntavam-se de onde
viria tudo aquilo.
Não conheciam ninguém. O pai fazia as honras da casa, ou seja, da garagem.
Aproximaram-se de uma porta aberta. E espreitaram.
A azáfama de algumas mulheres era grande.
Afinal havia outro... fogão, numa grande cozinha na garagem.
Nesse ano,a pedido do pai, passaram lá o Natal.
Toda a festa foi passada nesta cozinha.
Dois anos depois, elas disseram ao pai que só passariam o Natal se fosse feito na sala de jantar.
Mas nunca mais voltaram àquela casa.

Maria Araújo escreve aqui. 

Tema 2 - A Miúda

26
Mai21

Finalmente, a primavera começava a dar os seus primeiros sinais. Os pássaros que tinham partido no final do verão passado já estavam de regresso, as flores começavam a abrir, no ar corria uma leve brisa fresca e o sol ria-se para quem o quisesse ver.

Souberam escolher o dia perfeito para acampar. Ao todo, eram seis. Seis amigos ansiosos por poder voltar ao que mais gostam: à natureza, à liberdade, à tranquilidade. O primeiro acampamento do ano era sempre o mais aguardado. O lugar onde acontecia nunca se alterava. Assim o tinham combinado anos antes. E não era difícil de perceber porquê: de um lado, tinham o rio; do outro, a floresta. Ver o rio, de manhã, ao acordar, era simplesmente magnífico. A água era do mais azul que alguma vez haviam visto, estendia-se até ao horizonte e permitia ver, nas suas profundezas, as rochas que a água foi esculpindo ao longo do tempo. Lá ao longe, na linha do horizonte, viam-se as montanhas. Naquela altura do ano ainda tinham uns resquícios de neve, que se misturavam com o verde que começava a brotar.

Os seis amigos organizavam-se em duas tendas: uma para os rapazes, outra para as raparigas. O Caramelo, o rafeiro que os tinha adotado numa das suas aventuras, era a mascote do grupo e não tinha tenda atribuída uma vez que gostava de visitar as duas.

Naquela primeira manhã em que acordavam ao som das árvores a dançar, o Caramelo tinha escolhido a tenda dos rapazes e ainda dormitava. Lá fora, já alguém se tinha levantado e começava a preparar o pequeno-almoço do grupo. Foi quando deram conta que havia um problema: tinham embalado tudo o que iriam precisar, como de costume, mas parece que desta vez faltava uma coisa – o fogão. Como é que iriam aquecer a água e preparar as refeições sem fogão? Não o podiam ir buscar a casa, o caminho ainda era longo. Também não podiam arranjar lenha para fazerem uma fogueira, uma vez que a madeira ainda estava húmida do inverno. E agora? Cada pessoa tinha uma tarefa, a da Matilde era trazer o fogão. Como é que se esquece uma coisa grande e pesada?

Os que ainda estavam deitados, depressa se levantaram, ao ouvir a discussão. Um, pergunta o que é que se passa; outro, pede que se fale mais baixo que ainda quer dormir mais um pouco; um terceiro, que não está para chatices, vai dar uma volta para esticar as pernas.

O clima estava a aquecer quando o Simão anuncia, na serenidade que lhe era habitual, que se tinha lembrado de colocar um fogão extra na carrinha, por precaução, para o caso de haver alguma emergência. E ainda bem que o fez. Afinal havia outro fogão, a Matilde pôde ficar mais descansada e os amigos perdoaram-lhe a falha. Prepararam o pequeno-almoço e, no final, partiram à aventura pela floresta, à procura das marcas que haviam deixado no ano anterior.

 

A Miúda escreve aqui.

Tema 2 - Miss Lollipop

26
Mai21

Desde tenra idade que Albertina e Alberto eram unha com carne.

Na escola não se largavam por um segundo, fora da escola corriam atrás um do outro por entre campos verdejantes em alegres brincadeiras.

Foram crescendo sempre juntos só tendo olhos um para o outro.

Passou a ser um namoro pegado para se transformar num amor para toda a vida.

Um namoro passado nos bailes daquela aldeia que estava sempre em festa, onde eram os reis da folia.

E era assim que Albertina era feliz. Sempre em festa com o seu Alberto, no meio da folia e do divertimento.

Todas as tentativas de ensinamento que sua mãe lhe tentara transmitir sobre as delícias de cozinhar saíram goradas. Ela não precisava de agarrar um homem pelo estômago pois há muito que agarrara o seu.

E como todos neste planeta também eles foram apanhados pela pandemia que se julgava ser passageira, e obrigados ao confinamento, cada um na sua casa.

Passaram a namorar por videochamadas, o dia inteiro agarrados ao écran, noites inteiras com juras de amor e promessas de uma vida em comum no fim da pandemia.

Mas a pandemia teimava em não passar.

E as videochamadas começaram a ser mais espaçadas passando a ser apenas chamadas de voz pois Albertina ficara de repente sem câmara no seu telefone.

Chamadas essas que, pese embora as tentativas insistentes de Alberto foram rareando cada vez mais da parte de Albertina que deixou mesmo de atender o telefone para desespero de Alberto que lhe enchia a caixa do correio de mensagens.

O pânico começou a tomar conta de Alberto perante o visível desinteresse demonstrado por parte de Albertina.

Tal só podia significar algo que só de pensar sentia a alma a trespassar o seu ser.

Que Albertina se tomara de amores por outro que conheceu durante este afastamento involuntário.

Mas que mais poderia fazer Alberto?

Todas as tentativas humanamente possíveis de contacto e reaproximação saíram frustradas.

Em desespero de causa saiu de casa naquela noite sorrateiramente todo de negro vestido desafiando o recolhimento obrigatório rumo a casa da sua amada pronto a enfrentar a verdade por mais dura que ela fosse.

Quanto mais se aproximava mais evidente era o som de ruídos no seu interior a que se sobrepunha a voz maviosa da sua amada em alegres cantorias evidenciando um estado de alma pleno de felicidade.

Embora a noite estivesse quente, Alberto estava gelado por dentro mas suando por cada poro da sua pele, tremelicando que nem varas verdes.

Trepou silenciosamente o muro e qual lobo furtivo à espera de caçar a sua presa, alcançou a janela mais próxima entreaberta na qual foi possível observar o movimento no interior.

E o seu maior medo confirmou-se.

Afinal havia outro, disso não havia qualquer dúvida.

Um fogão reluzente que fumegava em todo o seu esplendor onde repousavam tachos e panelas repletos de iguarias que Albertina aprendeu a fazer durante o confinamento. "

 

Miss Lollipop escreve aqui.

 

Tema 2 - Sam ao Luar

25
Mai21

— Maria, nem sabes o que me aconteceu hoje no trabalho.

— Então, Manel? Olh'ó fogão.

— Estava eu a chegar ao parque de estacionamento e não é que, àquela hora, já estava cheio! Porra, pensei eu, será que cheguei atrasado? Mas não, estava mesmo cheio!

—  E então?

— Vinha um colega no carro atrás de mim e eu até lhe liguei ali mesmo: “Ó Tozé, isto está cheio.  Aonde vais meter a viatura?”

—  Vou meter ali no parque de cima. Vou já dar aqui a volta, mas'é!

— Eu nem sabia que havia parque de cima!

— Afinal havia outro parque... Fogão.

— Entretanto cheguei à minha secretária e não é que estava lá o telemóvel da empresa! E eu a pensar que andava com ele. Se o chefe me ligasse, estava lixado. E não é que estava no bolso? Então, tinha ligado ao Tozé, não é? Mas estava lá mesmo outro.

— Afinal havia outro telemóvel, qual é o mal? Fogão!

— Olha, apareceu um gajo que eu nunca tinha visto.

— Bom dia, sou o Jorge. Viu o meu telemóvel da empresa? Se me ligam outra vez, estou queimado. Não me lembro onde o pousei, pá!

Pensei eu: “Então e o Miguel, o outro estagiário? Era porreiro!”

— Afinal havia outro estagiário?... Fogão!

 — Havia o Miguel. Era fixola. Mas este Jorge até me ensinou a usar o outro programa para manobrar a maquinaria pesada. Muito mais fácil!

— Ai afinal havia outro programa?... Fogão!

— Acabamos por ir almoçar juntos. Perguntei-lhe se queria ir àquele tradicional da esquina. Aquele, sabes? Que tem o prato do dia. Ele até me indicou outro que é bem mais barato. 

— Afinal havia outro restaurante... Fogão, Manel!

—Olha, até se comeu bem. Se calhar vou começar a lá ir. E nem sabes, não é que a estrada nova está outra vez em obras? Tive de dar a volta... Por isso é que cheguei a esta hora. Tive de meter a morada no GPS. Encontrei outro caminho, não sou bom nisto?

— Já sabia que havia outro caminho... FOGÃO!

— Possa mulher, estás a enervar-me, caraças. O que tem o fogão?

— Olha, tem o jantar que acabaste de queimar, seu parolo! Que tal ires buscar outro?

 

Sam ao Luar escreve aqui.

Tema 2 - imsilva

25
Mai21

Lola


Há vidas fecundadas em dias de maus espíritos, como a de Lola.
Ninguém sabia o verdadeiro nome, ficou Lola porque em tempos teria andado por terras de Espanha, e quando voltou, foi assim que lhe passaram a chamar.
Desde a violência a que assistiu em casa dos pais, ao trabalho que teve durante 4 anos e que depois de uma falência a deixou desempregada e grávida de um colega que se pôs a milhas, Lola nunca teve um bom espírito que a acompanhasse.
O pai quando soube da gravidez, expulsou-a de casa. Sem outra família a quem recorrer, sem amizades que a pudessem acudir, Lola esteve num abrigo para futuras mães em dificuldades, onde por norma entregavam os filhos para adopção. Lola não foi excepção. Algo que recordaria para sempre com dor.
A vida nunca lhe tinha dado as melhores companhias, ela também nunca as tinha sabido escolher, e assim acabou por viver com uns e com outros, nenhum deles tendo sido alguém que lhe desse algo positivo.
Quando ouviu falar de um trabalho em Espanha, arranjou coragem e foi. Esteve lá 2 anos e já foi demasiado. Foi explorada, mal tratada e assim que conseguiu, voltou para Portugal com menos amor próprio do que nunca.
Lola era uma mulher frágil, nunca alguém lhe tinha dado valor algum.
Ao fim de muitos anos, lola vivia numa barraca de um bairro de barracas, que a Segurança Social visitava de vez em quando. Ao verem o estado mental em que ela se encontrava, e não conseguindo convencê-la a ir para uma instituição, decidiram tirar-lhe do seu espaço as coisas que consideraram perigosas, como por exemplo, o fogão. Pediram apoio às instituições devidas e forneciam-lhe 2 refeições por dia, entregues à porta.
Até aquele dia...
As pessoas que viviam naquele bairro, acordaram com o cheiro intenso a fumo que entrava por todas as frinchas das janelas e portas, e viram o clarão alaranjado lá fora. A barraca de Lola estava em chamas, e lá dentro aquela pessoa que nunca na vida tinha tido amor ou algo que se parecesse com uma vida digna.
P.S. A peritagem concluiu que o incêndio tinha sido causado por um pequeno fogão de campismo. 

I'm Silva escreve aqui. 

Tema 2 - Cristina

24
Mai21

A menina de sua mãe

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            Foto: Artur Pastor (?)

Na pequena casa térrea com chão de sobrado de madeira de pinho, pequenas janelas e grossas paredes caiadas, a cozinha e a lareira eram o coração da casa. A cozinha era tudo o que havia na casa para além dos dois exíguos quartos de dormir onde mal cabiam os leitos estreitos de ferro. As camas eram limpas e confortáveis com os seus colchões de camisas de milho secas, os velhos lençóis estreitos de algodão e as mantas grossas de trapo.

Viviam do que a terra dava graças ao trabalho de todos no amanho de umas quantas leiras onde cultivavam as hortas, o milho para a broa, algumas árvores de fruto, a vinha e a azeitona. Tinham uma capoeira de galinhas, meia dúzia de ovelhas e outras tantas cabras, engordavam dois bácaros por ano para terem alguma carne na salgadeira e assim iam governando a vida para que não faltasse a comida na mesa.

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Foto: Artur Pastor

Fosse Inverno ou Verão o lume estava sempre aceso e havia que não o deixar apagar porque os fósforos eram caros, 3 tostões a caixa e nem sempre havia. Quando o lume se apagava em casa ia-se a casa de uma vizinha pedir umas brasas ou um tição aceso para atear de novo.

O fogão da casa era a lareira com as panelas de ferro de três pés, os tachos e a sertã pousados nas trempes. As tenazes (tanazes como lhes chamavam) e o abanador estavam sempre por ali.

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Havia também a cafeteira de barro onde se fazia o “café” de cevada torrada e moída que ficava aconchegado ao lado dos troncos a arder. Chamavam-lhe “chicolateira” e era estimada com cuidado para não se quebrar. De manhã cedo depois do mata-bicho ficava ao lume a panela de três pernas com os feijões a cozer, aquecida por umas quantas cavacas durante horas. Mais perto da hora de comer juntariam as couves, os nabos, ou o que houvesse na horta com mais um naco de carne da salgadeira e estava “o comer” feito. Num dia mais especial lá ia um tacho para a trempe para guisar um frango, ou ia a sertã para a trempe para fritar um ovo ou umas rodelas de batatas em azeite. No Natal, o tacho também brilhava com as filhoses a fritar e um cheiro a comida mimosa que só por si já enchia a alma. Nesses dias felizes a mãe até lhes perguntava se queriam que fizesse um "galito" com a massa da filhós, e eles deliravam quando ficavam algo parecidas.

A vida da família ia correndo plena de trabalho e canseiras, mas com o suficiente para todos. Iam nascendo os filhos a cada dois anos e já eram cinco quando a tragédia levou o pai e ficou a viúva com o seu ranchinho para criar e as terras para amanhar e de lá tirar o sustento.

Da vila vinham casais com bebés pequenos procurar mocinhas na aldeia para ajudar na lida da casa e tomar conta dos filhos. A mãe lá ia recusando as ofertas destes trabalhos para a sua menina mais velha, queria-a junto de si e dos irmãos, na segurança da sua casa. As dificuldades foram ficando maiores e a mãe deixou-se convencer por um casal que lhe pareceu bondoso. Eram gente de posses, um médico e a sua esposa e queriam uma menina para ajudar na cozinha e a cuidar dos filhos. A mãe sabia o quanto a sua menina gostava de aprender a cozinhar, sabia que era essa a sua paixão, mas receava ainda assim.

Como a vila era próxima e os senhores tinham prometido que traziam a menina aos sábados e a levavam de novo aos domingos, a mãe deixou a sua menina ir como criada de servir para o palacete do casal. O que lhe custou, as lágrimas que chorou, mas tinha esperança de que a sua menina fosse estimada e a tratassem bem. Ia ser menos uma boca para sustentar e ainda lhe davam um pequeno salário pelo trabalho da filha. Pareciam ser pessoas justas pois não iam descontar os tecidos e custos de vestuário da menina ao salário.

E chegou o dia de domingo, e a menina partiu para a casa da vila. A pequena do alto dos seus 10 anos, de corpo muito franzino ia com a sua muda de roupa numa trouxa feita de pano rumo a uma nova vida. Os olhos brilhavam e deixavam cair lágrimas abundantes à medida que a sua casinha branca se deixava de avistar.

E foi uma revolução na sua vida, foi um nunca mais acabar de banho e lavagem com uma enorme quantidade de água aquecida e sabão com cheiro, cortar unhas, ajeitar cabelos, aprender a usar roupas que nunca tinha visto e andar sempre de sapatos. Na casa usava sempre a mesma roupa que as outras criadas e tinha de estar sempre mais reluzente do que a roupa de ir à missa aos domingos. Depois foram os modos de falar e de calar, de andar, de cuidar das coisas da casa, tudo foi mudado e posto ao modo do viver dos senhores do palacete. Nunca faltava a comida, mas a menina estranhava os sabores e custava-lhe muitas vezes comer do que havia. Sentia saudades da sopa da panela do lume apesar de nem gostar muito dela, mas estava mais habituada ao sabor.

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A cozinha do palacete não era o coração da casa, mas era o lugar favorito da menina. As paredes tinham azulejos brancos até ao teto, havia tachos, panelas, cafeteiras, formas de bolos, e todo o tipo de objetos que nunca tinha visto antes. Nas paredes havia louças coloridas penduradas em forma de folhas de couve, tomates, nabos, peixes tudo era colorido, limpo e cheio de luz. Havia armários cheios de louça fina para servir, bandejas, jarros de vidro para a água, xicaras delicadas como nunca tinha visto. Mas nada se comparava ao enorme, imponente e incrível fogão a lenha onde tudo era cozinhado. Não faziam o lume no chão nem usavam trempes ou panelas de três pernas! Até a lenha para o fogão era mimosa. Usavam lenha cortada em pedaços feitos ao tamanho da fornalha e vinham entregar também lenha miúda e pinhas para acender os troncos grossos. Não usavam feixes de vides, nem caruma, tudo era muito limpo e até a cinza era mais branquinha do que a que tiravam do borralho lá de casa.

À noite, na sua cama chorava, chorava muito baixinho, sentia a falta da mãe, dos irmãos e do seu viver simples e mais livre. A menina sabia que tinha de ser, que assim estava a ajudar a mãe e os irmãos e talvez com o tempo se acostumasse. Naquela primeira semana não aprendera nada sobre como cozinhavam, apenas se estava a habituar a todos aqueles novos preceitos de fazer as coisas. Queria que dissessem bem dela quando a levassem até à sua mãe.

Quando o sábado chegou e a levaram de volta a casa, a menina não conseguia parar de chorar de alegria, e a mãe e os irmãos não paravam de olhar para ela. Estava diferente no cabelo, nas mãos e nos pés, cheirava a sabão perfumado. Via-se que tinham cuidado bem dela, mas tinha os olhos tristes.

Ao borralho naquela noite foi um nunca mais acabar de contar como se tinha passado aquela semana, como era a vida no palacete, os objetos, a comida, as roupas, … Quando a menina começou a falar da cozinha e disse que afinal havia outro fogão, ficaram todos espantados. A menina contou que naquele fogão o lume ficava fechado numa fornalha e nem se via, as panelas punham-se em cima do fogão e aqueciam, tinha um depósito de lado com torneira por onde tiravam a água quente, até tinha um forno sem lume. A menina estava maravilhada com aquele fogão e aquela cozinha.

Passou o domingo e à tardinha a mãe perguntou-lhe se queria voltar para a vila, disse-lhe que sentiam muito a falta dela em casa e que se ela não quisesse ir, não ia. Tudo se havia de arranjar na mesma.

A menina ficou calada a pensar e disse à mãe para ela decidir.

 

Cristina escreve aqui.