Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Desafio de Escrita

Tema #2.5 Mami

03
Mar20

nem seis da manhã são ainda … mas não consigo ficar mais na cama. a minha alma agita-se a cada pensamento e o meu corpo reage instintivamente. a expetativa é grande. hoje é o dia. o grande dia.

nunca pensei que fosse possível que isto acontecesse, mas a vida, essa danada, arranja sempre forma de nos surpreender.

levanto-me e vou diretamente para o duche. deixo a água quente escorregar pelo meu corpo, despertando cada centímetro de pele. a minha cabeça, graças à intensidade da água, cede àquele pequeno prazer, esquecendo tudo e deliciando-se com a sensação de leveza. agora a água a cair sobre os meus ombros, aumento a temperatura, o meu corpo reage, entregando-se depois à sensação de plena descontração.

afago a minha pele com a suave e cheirosa toalha recentemente tirada da máquina de secar. espalho o creme, após o aquecer entre as mãos, e o seu perfume espalha-se pelo meu corpo e inunda a minha mente com belas memórias.

desço e faço café, simples e intenso, o aroma que faltava para trazer lucidez a todos os pensamentos que invadem a minha mente.

agora, completamente desperta, sinto a ansiedade aproximar-se. o receio de que não aconteça, de que tudo não passe de uma confusão, de que aquele convite não seja mais do que o delírio da minha mente cansada.

o encontro estava agendado para as onze horas, numa modernidade aparentemente incompatível com a ocasião: um brunch. falta tanto que não sei o que fazer… a minha capacidade de concentração em qualquer tarefa é igual a zero. não quero pensar mais no assunto, criar expectativas… são oito horas, vou acordar a criançada e perder-me nos seus mimos e gargalhadas – excelente estratégia!

conversa aqui, miminho ali, cocegas e muita gargalhada são os ingredientes essenciais para entrar numa nuvem de amor que eclipsa todo o resto.

o mais que tudo acorda e junta-se à “festa”. inquire-me com o olhar, para saber se estou bem. aposto que ficou sem perceber a resposta…pois nem eu sei!

lá vamos nós, para o local marcado, na hora combinada.

ao chegar percorro o local com o olhar, verificando se estão todos, mas sobretudo procurando por ela. ao vê-la, imobilizo. deslumbro-me por aquele sorriso só seu. afasto os pensamentos que me dizem que é impossível, que o que vejo não passa de um oásis no deserto. continuo a caminhar na direção dela e perco-me no calor do seu abraço.

 

Tema da semana: Acordas e tudo o que mais desejavas realizou-se: conta-nos o teu dia

Mami escreve aqui

Acompanha todos os posts deste desafio aqui

Segue-nos na nossa página do facebook

 

Tema #2.5 Alice Barcellos

03
Mar20

Carta de Alepo

Abri os olhos, lentamente, para mais um despertar. Pelas frestas da janela, vi que estava sol, os pássaros chilreavam no jardim. Deixei-te a dormir e levantei-me sorrateiramente, depois de dar-te um beijo silencioso na boca. Abri a porta da cozinha aos cães que me deram o seu "bom dia" efusivo, entre saltinhos e lambidelas, contribuindo, ainda mais, para uma manhã que já se avizinhava perfeita.

Fiz um café forte, vi as notícias no telemóvel e liguei aos meus pais. Falamos, longamente, comentando como o verão estava a ser claro e luminoso. Espreguicei-me na cadeira da cozinha e segui até ao jardim, onde as flores tinham voltado a aparecer. Os primeiros limões começavam a crescer, amarelos, no limoeiro que o meu avô tinha ali plantado.

Calcei-me e segui caminho até à biblioteca para requisitar um livro de poesia. Sim, apetecia-me ler poesia e regressar aos grandes poetas da Antiguidade. Vestia o meu leve vestido floral e calçava umas sandálias gastas de couro. Para afugentar o calor, prendi o cabelo num rabo-de-cavalo que balançava ao ritmo dos meus passos apressados. Já não precisava andar com panos a tapar-me, o que era um grande alívio nos dias quentes de verão. As crianças brincavam nas ruas e o souq começava a ganhar vida com os pregões dos vendedores.

Entrei na biblioteca e respirei o silêncio denso que encerra séculos de saber, entre as grandes prateleiras recheadas de livros. Até que ouvi um grande estrondo, boom, e aninhei-me num canto, assustada.

Abri os olhos, rapidamente, para mais um dia, que pode ser o último para alguém por aqui. Acordei estremecida com mais um bombardeamento. Nunca me vou conseguir habituar ao barulho das bombas e ao tremor de terra que elas provocam. Por instantes, sorri, quando me lembrei que tinha sonhado que estávamos em paz e que saía de casa para um passeio até à biblioteca, num típico dia de verão. Ainda dormias ao meu lado e o nosso jardim tinha flores. Os meus pais estavam vivos e as crianças brincavam nas ruas. A biblioteca ainda estava de pé.

Será que um dia a guerra acaba? Escrevo-te esta carta sem saber se vai chegar ao destino final. Espero, em breve, conseguir fugir daqui e juntar-me a ti do outro lado da fronteira. Não sei o que me espera, mas será melhor do que ver todos os dias tanta destruição e morte. Ao menos, o nosso limoeiro continua plantado no jardim. Só espero que não seja o único a resistir.

Um abraço apertado da tua Láyla

 

 

Tema da semana: Acordas e tudo o que mais desejavas realizou-se: conta-nos o teu dia

Alice Barcellos escreve aqui

Acompanha todos os posts deste desafio aqui

Segue-nos na nossa página do facebook

Tema #2.5 Ana Catarina

03
Mar20

Um dia feliz em que tudo está igual

Menos as coisas que nos deixam mal

Coisas pequenas ou grandes

Tudo depende do ponto de vista

Feridas que custam a sarar 

Ou corações partidos

Ainda por arranjar


Poderia ser hipócrita 

E dizer que não mudava nada

Estou feliz com tudo

Ou pelo menos acostumada

É sexta feira

Nem tenho razões para me queixar

Não apanhei filas

O sol apareceu

O restaurante onde fui almoçar estava praticamente vazio

Pus a conversa em dia com a minha melhor amiga

Trouxe nuggets à minha mãe

O trabalho está tranquilo 

Ou estava

Pois só agora reparei

Que são quase 3 da tarde

E eu já nem me lembrava  

Do desafio dos pássaros

Que é para entregar 

Antes que o tempo acabe

 

 

Tema da semana: Acordas e tudo o que mais desejavas realizou-se: conta-nos o teu dia

Ana Catarina escreve aqui

Acompanha todos os posts deste desafio aqui

Segue-nos na nossa página do facebook

 
 

Tema #2.5 Catarina Reis

03
Mar20

Hoje é um dia especial. Não sei o que aconteceu mas tudo corre bem. Não tenho que me apressar para ir deixar os rapazes na escola e seguir para o trabalho. Não tenho que limpar a casa. O cesto da roupa suja está vazio, o que é coisa inédita cá em casa.

Os rapazes nem parecem eles. Dormiram, pela primeira vez na vida, até as dez da manhã. Acordaram bem dispostos e ainda não houve dramas. Estão mais silenciosos que o habitual e fazem tudo o que lhes digo à primeira.

Comecei um livro e não fui interrompida nem uma vez. O marido disse que hoje tratava do almoço e eu agradeci. Fiquei pelo cadeirão até ouvir que o comer estava pronto.

Os rapazes ajudaram o pai a colocar a mesa. Conversaram sobre os últimos dias sem falarem uns por cima dos outros.

Depois de almoço saíram todos para a rua. Eu troquei o cadeirão pela cama de rede, continuei a leitura até cair no sono. Acordei com o rebuliço dos meus homens a entrarem em casa.

Vinham suados e felizes da brincadeira. Não foi preciso dizer nada. Seguiram ordeiramente para o banho sem discutirem a ordem do uso do mesmo.

O jantar foi preparado em conjunto. As malas da escola foram preparadas para o dia seguinte e a roupa escolhida.

Na hora de dormir fui surpreendida com quatro rapazes deitados em silêncio. Nada de confusão, nada de birras, nem implicâncias.

Eu desfrutei ao máximo desta harmonia tão pouco usual mas tão benéfica. Aproveitei bem porque sabia que era sol de pouca dura. 

 

Tema da semana: Acordas e tudo o que mais desejavas realizou-se: conta-nos o teu dia

Catarina Reis escreve aqui

Acompanha todos os posts deste desafio aqui

Segue-nos na nossa página do facebook

Tema #2.5 Silvana

03
Mar20

O grande dia

Ontem, aquele telefonema abriu a porta para que hoje fosse um dos mais felizes da minha vida. Afinal, aquilo que mais desejei realizou-se.

Levanto-me sem pressa. Tomo o meu banho e visto aquele vestido vermelho. Aquele que sempre esteve guardado para este dia. Assim que fico pronta, faço-me à estrada.

Ao fim de duas horas chego ao meu destino. Ainda vou comprar flores, umas flores especiais e adequadas à ocasião.

Estive demasiado tempo longe deste lugar. Sinto-me um pouco estranha. Foram demasiados anos escondida e longe daqueles que amo e que, nesta altura devem pensar o pior de mim.

Os óculos escuros e o lenço branco permitem-me um certo anonimato. Um anonimato que quero manter até chegar o momento certo. Dirijo-me à igreja que tão bem conhecia e que marcou o início da minha desgraça. Entro e mantenho-me discretamente longe dos familiares do defunto. É claro que olham para mim, uma mulher de vermelho num mar negro de cor é motivo suficiente para despertar a atenção mesmo daqueles que se encontram entorpecidos pela dor.

O funeral começa. Não tenho lágrimas para oferecer ao defunto. Roubou-mas todas no dia em que me atirou pela primeira vez ao chão. Vi a mãe dele, os irmãos o nosso filho e filha dele, ali, a chorar por um impostor que foi morto pelas mãos que o acolheram quando me fui. Ela teve mais coragem do que eu. Arrancou a erva daninha pela raiz. Não consentiu viver afastada do medo que sempre me acompanhou e que hoje irá com ele para a cova.

Sigo o funeral até ao cemitério. O vermelho do meu vestido reluz. E por dentro visto um sorriso de liberdade.

Quando descem o caixão para a terra aproximo-me. Tiro o lenço da cabeça e os óculos. Tudo para! Os rostos incrédulos tingem-se de mais choque. Afinal, devem pensar que regressei do mundo dos mortos. Cuspi para cima do caixão, cuspi para cima das flores e atirei-as com violência para o buraco onde já devias estar há muito. Olhei para o meu filho e aí as lágrimas chegaram.

Decidi quebrar o silêncio.

− Roubaste-me a voz e a vida! Durante 16 anos tive de viver escondida, a carregar na pele as difamações que espalhaste e no rosto as cicatrizes que tu tão bem soubeste fazer com os teus malditos cigarros. Afinal de contas sou aquela que fugiu com o amante. Não te perdoou o que me roubaste. Só espero ainda ter tempo de resgatar o amor do meu filho.

 

Tema da semana: Acordas e tudo o que mais desejavas realizou-se: conta-nos o teu dia

Silvana escreve aqui

Acompanha todos os posts deste desafio aqui

Segue-nos na nossa página do facebook

Tema #2.5 Maria

03
Mar20

Pelas cortinas mal corridas entram os primeiros raios de sol e eu começo a acordar com a luz. A emoção é tão grande que corro para a janela, abro-a e caminho pela varanda, ali estou eu, perdida naquele pedaço de terra no meio do mar plantado com aquela imensidão de azul à minha frente e com o coração a palpitar forte enquanto me mentalizo "aqui estou eu, como desejei isto"! E ali fiquei uns minutos a tentar perceber que tinha mesmo aterrado ali depois de tantas tentativas frustradas de ali voltar.

Ouço barulho lá dentro e vou ver o que se passa, o frenesim do pequeno-almoço a ficar pronto à espera que eu acordasse. E ali estava eu a vê-los e a poder abraçá-los como já há muito tempo não fazíamos. E tudo é tão bom que parece que nada falta para ser perfeito. Aquele abraço sentido de bom dia do pequeno que nada paga e que deita por terra todas as saudades acumuladas dos quilómetros de distância que nos separam.

O mano acaba de fazer o café melhor do mundo, o nosso, como sempre foi. E sentamos-nos todos à mesa a planear o que vamos fazer naquele primeiro dia que cheguei e que quero fazer um montão de coisas mas que o importante é estarmos ali de volta, todos juntos. Com as melhores gargalhadas e um coração cheio de amor.

- Vamos à praia - diz o pequeno - quero que me vejas nadar. E vamos comer um gelado! E quero que vejas a minha escola nova. Já foste comer um prego lá baixo ao Zé? Tens que os provar são uma delícia. E vais assistir ao meu treino da natação?

- Bora lá, estou pronta para tudo o que quiseres!

- Há quanto tempo não vens cá? - pergunta-me o pequeno.

Há demasiado tempo para uma vida só.

 

Tema da semana: Acordas e tudo o que mais desejavas realizou-se: conta-nos o teu dia

Maria escreve aqui

Acompanha todos os posts deste desafio aqui

Segue-nos na nossa página do facebook