Tema #2.2 - Alexandra
- A senhora tem um tumor.
As palavras ecoaram no gabinete mas não na cabeça de quem ouvia. Não faziam sentido. Não se percebeu o que ela disse. Os sons não formaram palavras dentro das cabeças.
- É grave doutora?
- Bom, tem alguma gravidade. É um carcinoma. Mas vamos tratar disso. Agora vai à secretaria com este papel, já pedi consulta de oncologia, depois vai ao -1 marcar...
Mas que raio diz ela que não se consegue processar? Num flash de tempo, sem perceber como, estão de regresso a casa, num caminho estranhamente mais demorado que o habitual e em silêncio.
Quando entraram em casa o estrondo. Caíram num choro profundo que pareceu durar horas. Secaram as lágrimas e juraram que iam combater aquilo.
TACs, ressonâncias, com e sem contraste, análises diversas, sempre adiando um exame tão essencial para o diagnóstico final como perigoso para o que era preciso viver...
a amiga de uma amiga leva os exames a uma médica amiga
Sim, é preciso ter amigos. Na hora da aflição vale tudo.
Alívio.
A “massa” é uma grande "cagada" deixada da cirurgia de retirada de vesícula. Ficaram lá uns "agrafos" de costura "mal amanhados" que formam uma amalgama esquisita... mas é tudo células normais. Não é cancro.
…
Entretanto chega a consulta com o oncologista.
- A senhora sabe porque veio a esta consulta?
- A dra X disse-lhe que tinha um carcinoma entre o pâncreas e...
- A dra X disse isso assim?
- Sim.
- É que não, a senhora não tem tumor nenhum.
- Nós sabemos. É uma costura defeituosa que…
- Sim, é isso. Aqui que ninguém nos ouve, a minha colega não tem bom olho para exames, mas tem ainda menos sensibilidade na transmissão de “diagnósticos”. Lamento que se tenha assustado. Mantenha a vigilância com análises sanguíneas, é suficiente.
...
De volta à consulta da dra X
- Bem, já sei as novidade. Que bom!! Eu recomendo que faça na mesma uma CPRE, para ficarmos mesmo descansados.
- O dr. oncologista disse ser desnecessário face aos riscos...
- Vocês é que sabem. Há riscos, mesmo de vida é verdade, mas, se não querem fazer o exame vou dar alta, uma vez que sem exames não consigo saber como está.
- Desculpe a honestidade dra, mas parece-me que nem com exames consegue.
Mudou de cor
- Pronto, então acabamos aqui, passe pela secretaria para a alta. E olhe que não tem cancro, mas a diabetes também mata.
Esta história é real e nos diálogos nada foi inventado. Talvez o tempo tenha apagado algumas vírgulas e palavras, mas nunca, jamais o contexto.
Em breve faz 10 anos e continua tudo bem.
Para o bem e para o mal, isto de médicos, nunca fiando.
Tema da semana: É que isto de médicos, nunca fiando
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