Quando vi que o ultimo tema da 1ª edição do desafio dos pássaros era “Luz e Sombra” lembrei-me automaticamente de um livro da Isabel Allende com o titulo semelhante, De amor e de Sombra que, não sendo a mesma coisa, remete para o mesmo, afinal o amor é luz.
E é disso que somos todos feitos. De luz. E de sombra.
Somos capazes dos maiores feitos e das maiores atrocidades.
Não acredito que hajam pessoas totalmente luminosas e outras totalmente sombrias. Somos ambas. O ideal, como em tudo, é haver equilíbrio.
E mesmo quando tudo parece sombrio, ao fundo, ás vezes muito ao fundo, á sempre uma nesga de luz.
...
Há alguns anos atrás, quando voltava para casa vinda da escola, já tarde, noite porque estávamos em pleno inverno, fui rodeada por um grupo de rapazes que me derrubaram ao chão e me apalparam até à alma.
Consegui fugir, ainda que à custa de um braço partido.
Em casa, com os meus pais, chamou-se a policia, a ambulância, a minha mãe chorava desalmada, o meu pai cegava de raiva e saía para a rua, às cegas, à procura de vingança.
Eu sabia quem eles eram mas nunca disse a ninguém.
Só um dos policias percebeu que as minhas descrições genéricas não se deviam à memória difusa pelo choque mas sim a uma plena consciência das consequências e implicações que uma denuncia direta teria.
Não temia por mim, mas sim por eles.
Porque sabia que o meu pai, certo ou errado, é um pai com letras grandes, e iria querer acertar as suas contas à margem da justiça.
E por isso, mesmo confrontada, neguei, menti, disse que não sabia quem eram e que nunca os tinha visto antes.
Mas vi. Antes. E depois.
A primeira vez que os três me viram de braço com gesso ao peito, ficaram muito aflitos, a olhar em volta à procura da policia ou de algum vingador, e fugiram.
A partir daí, e percebendo que eu me tinha calado, evitavam-me.
Nunca mais me olharam nos olhos. Mudavam de lado no passeio. Foi como se nunca se tivesse passado nada.
Passaram-se anos.
Vários.
Trabalhava num centro comercial, numa loja e levava comigo, na minha singela mala, 3.500,00 € para fazer o depósito. O banco era mesmo na rua em frente.
E como destrambelhada que sou, meti-me à frente de um carro. A culpa foi minha. Atravessei fora da passadeira, à noite, distraída e sem olhar.
Mas, era de noite. Tarde. E na rua não havia ninguém. O carro não parou. Fugiu.
Á partida sentia-me bem apesar das dores pelo tombo. Mas assim que olhei para a minha perna e vi uma fatura exposta desmaiei.
Acordei já no hospital. Aos gritos por causa da mala.
Tiveram de me dar qualquer coisa para me acalmar, e lá me explicaram que estava tudo lá fora com a policia e o rapaz que tinha chamado os bombeiros.
Tanto barafustei que precisava da mala que lá os deixaram entrar.
Veio um policia. E o rapaz com a mala. Que era o mesmo que tantos anos atrás me tinha partido o braço. Eu fiquei branca de certeza. Não estava à espera.
O policia disse que ele se chamava X, explicou que tinha sido ele a encontrar-me e a pedir ajuda. Ele percebeu que estava aflita com a mala e disse-me “Está tudo aí.” E estava. Não faltava nem um cêntimo.
Eu apenas consegui dizer obrigada, com lágrimas nos olhos, as emoções de tudo aquilo a virem todas ao de cima.
Todos somos sombra, todos somos luz.
Tema da semana: Luz e Sombra
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